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Sorte d'Homem...

 

Já lá de muito atrás ele trazia

As vagas de um azar encapelado:

Pafúncio! Como tal era chamado,

E assim, pouco a pouco, se perdia...

 

Cresceu, de nome feio, acabrunhado,

Escondido nas sombras do receio.

Que os moços, brincando no recreio,

De Páfu já o tinham alcunhado...

 

Vivia ele de tal forma e já crescia,

A cara espalmada e tão disforme, 

Sobre um pescoço de espessura enorme, 

Que de monstro filho era, se dizia...

 

Atingiu, só por acaso, a idade que sonhava,

Cheio de dias sem sorte e sem mais nada.

E, quando rompia, basto, em gargalhada,

Não se sabia se ele ria, ou se chorava...

 

Foi ainda assim recruta e, na caserna,

Fez troca de sortes, coisa estranha,

Mais forte se tornou a sua sanha, 

por se saber assim, alcunha eterna.

 

Taberna, quatro quatro, bolachudo,

Pafúncio já não era coisa alguma,

Tão cheio de alcunhas, uma a uma,

Que por fim pensava que era tudo...

 

Esta história porém veio mais tarde,

Quando regressou a casa, só Pafúncio,

A cara, lua cheia, como anúncio,

Fiel a si mesma, em grande alarde...

 

Estava só, pois assim sempre vivia,

Olhando o nada do seu pensamento...

De súbito, dentro de si, longo lamento,

Feito eco do silêncio doutro dia...

 

Olhou, tão assustado que tremia,

As mãos pendulando, de nervosas.

Era um cão, de ventas ramelosas,

Vadio e feio, triste, que gania...

 

Lentamente se acalmou, compadecido,

Da sorte do cachorro desmandado.

Foi-se a ele sorrindo, humanizado,

E em carícias se sentiu logo perdido.

 

O cão de fero lhe mostrou os dentes,

Mas Pafúncio nada disso divisava.

Enquanto o homem assim o acarinhava,

Vai de lhe dar dentadas bem valentes...

 

Homem sem sorte, por não saber brincar,

Julgou que assim fosse a brincadeira.

Deixando que lhe ferisse a perna inteira

E o sangue se esvaísse sem parar...

 

Dias se passaram, sem outro senão

E Pafúncio já se cansava de pensar

Que tudo fora um sonho, p'ra ficar,

Realidade assim, no seu viver de cão...

 

Cheio de saudade chorou neste viver,

Que cachorro alguém matara, vingativo,

Enquanto a perna florescia de adesivo

E ele a exibia a quem tal quisesse ver...

 

Porém pouco mais durou, ficou danado,

Ninguém sabia já se chorava ou se sorria.

Feito cão raivoso definhava e já morria,

Ele que viveu morto, morrendo, o desgraçado!

 

Enterraram-no longe, no mato, em terra dura,

Onde outros, homens e cães foram enterrados.

"Pafúncio, com seus sonhos, seus pecados,

Aqui veio, por fim, achar a paz, na sepultura."

 

Então, pouco depois, naquele solo em ferida,

Em inesperada e maravilhosa orgia de cor,

Desabrochou uma bela e perfumada flor,

Para o recordar, talvez, por toda a vida...

EGJore